Faz muito calor esse verão. Tento comparar com anos anteriores, mas 2015 não foi tão quente; 2018 também não. Lembro de trabalhar na Lagoa da Conceição e sair para almoçar era um grande desafio: a fome e a preguiça de andar embaixo do sol quente com a perna inchada, deixando o conforto do ar condicionado, se debatiam até que a primeira vencia.

Talvez pareça mais quente porque não tem ar condicionado. O apartamento era mais alto, o vento corria mais; aqui na casa, na edícula, o vento não corre: uma grande porta de vidro apenas não deixa o vento quente circular, por não ter uma segunda saída para ele. As telhas de barro sem forro aumentam a sensação de estar sendo cozida no meu próprio suor e gordura. Os ventiladores trabalham incessantemente, os de chão durante o dia, os de teto durante a noite, e eles trazem apenas o conforto térmico necessário para não desmaiar. Alguns dias tive de trabalhar na casa principal, onde o vento corre livre e o pé direito alto ameniza o quentume. Mas logo a tendinite se fez presente, e eu também não gosto de estar fora da minha mesa e cadeira de trabalho. É onde me sinto confortável.

Apesar que não me sinto confortável, pelas minhas contas, desde julho do ano passado. Depois de passada a novidade do emprego novo, internacional, que veio em abril, em julho ficamos os três doentes e sinto que até hoje não me recuperei disso. Nunca mais me senti confiante, segura, ousada como era quando iniciei no trabalho; fiz grande esforço, muita terapia, mas ainda tenho dificuldade em ser pior. Entre melhoras e pioras, inclusive realizando o grande sonho da casa no caminho, minha cabeça segue repetindo as mesmas frases: o que você vai fazer? quantos anos você tem? queria um cigarro. nossa que vontade de morrer.

O sonho da casa também foi diferente do que eu esperava. Eu esperava viver numa eterna noite de natal: aquela alegria da magia, das luzes, das comidas e dos presentes. A grande expectativa para ver o que ia ganhar, a alegria de ganhar o que queria e até o que não sabia que eu queria. Não é surpreendente que não tenha sido assim: fiquei meses preocupada, resolvendo problemas, ansiosa com prestadores de serviço, gastando um dinheiro infinito para finalmente o grande dia da mudança. E depois da mudança... não veio o alívio. É como estar em uma piscina em que a água se mexe e precisar mudar de direção: a cabeça segue no hábito da ansiedade e da infinita lista de coisas a serem resolvidas, num looping de: para fazer A, antes preciso fazer B; para fazer B, primeiro preciso fazer C; mas D é mais importante que C.

Não estou reclamando que a vida seja assim. Até me dá certo alívio: quando terminar de fazer tudo que preciso e quero fazer, o que sobra senão a morte, o fim? Por mais que minha cabeça com frequência me diga a frase "nossa que vontade de morrer", eu sei que é da boca pra fora, que eu realmente não tenho essa vontade. Eu tenho um moleque pra criar, 30 anos de dívida, paredes pra pintar. E sempre tem roupa pra lavar, piso pra esfregar, risada pra rir.

Ao mesmo tempo, sei que como me sinto não é o meu... "normal"? livre de qualquer chaga mental? saudável? como as outras pessoas vivem? Enfim, eu já tive épocas melhores. Pensar o tempo todo "quero morrer" é irritante. Me desconcentra. Me deixa meio assustada também. Vai que eu cedo? Vai que eu me jogo da escada ou do deck? Vai que eu compro um pendrive desses e começo a fumar, e meu pulmão gruda e fecha igual o da minha avó, e eu morro sufocada?

Não quero deixar meu moleque e o amor da minha vida sozinhos para se virarem. Quero estar com eles. Queria estar até mais com eles. Queria férias, ficar o dia todo com o menino sem fazer nada, vamo pra praia e você pega todos os baldes de água e areia que quiser que eu fico sentada aqui te olhando e fazendo buraco contigo.

Mas as praias são um esgoto a céu aberto, e eu não quero ficar com virose. Minhas férias só vem a partir de abril. Eu provavelmente vou fazer uma cirurgia em março, de correção de septo, e tô quase ansiosa por ficar 7 dias de licença médica, deitada, sem fazer nada.

Tô tão exausta. Tão cansada. E parece que nada descansa. Como uma sede infinita que a água não consegue aplacar. Será que essa é minha vida agora? Será que vou me sentir assim pra sempre, e só me resta me acostumar com isso? A pain that I'm used to?

Eu não posso acreditar nisso. Eu não quero me acostumar. Eu sei que não precisa ser assim. Mas por enquanto só posso esperar passar. Todo o resto eu já fiz.

No mais, a vida segue incólume, sem se importar sobre minhas percepções dela. A criança cresce como os abacates que carregam o pézinho de guacamole do quintal. A chuva cai, às vezes avassaladora, às vezes como uma garoa. A grama farfalha com o vento, e os insetos se regozijam nas sobras de comida que por ventura são esquecidas por alguns minutos na mesa ou na pia. Tudo segue.

Que bom.