...todas as células do seu corpo são substituídas por células novas, eles dizem.

Sempre achei isso esquisito, porque pode ser que meu cabelo de hoje seja mais novo do que sete anos, mas e meus olhos? Se bem que, há sete anos, eles não tinham astigmatismo e miopia. Meu rosto mudou, com mais linhas de expressão. Minha pele, o formato dos dedos dos meus pés. As manchas de espinhas no rosto. Aos 35 anos, já troquei de células 5 vezes. E sempre me sinto à flor da pele.

Fiz muita terapia na minha vida, mas análise faz um ano. Não conseguia fazer antes. Precisava de um alicerce, como quem coloca uma lona em casa antes de começar a obra, como se um plástico grosso pudesse impedir a poeira e a sujeira de atingirem o que nos é mais caro. Ilusão.

Eu seguia um psiquiatra no twitter que dizia que fazer terapia era como entrar em uma biblioteca da mente e tirar todos os livros do lugar que seus pais colocaram, para re-colocar do seu jeito. E é bem isso mesmo. Uma bagunça. Livro pra todo lado. Coisa que eu nem lembrava que tinha. Vergonha, raiva. Ressignificar tudo.

Pela primeira vez em 12 anos, me senti progredindo. Achei que tinha entendido algumas coisas. Parado de me olhar e olhar minha história sob as lentes distorcidas de um óculos que não era meu. Foi estranho e excitante. Como se tudo que eu soubesse sobre mim e a minha história precisasse ser re-visto, re-checado, como se eu fosse páginas em branco. Na verdade, acho que estava vendo talas sobre a ferida, gesso sobre o membro partido. Esse tipo de tela em branco.

E logo depois da excitação, como sempre, a onda arrebatou nas minhas costas, me jogando pra frente e me deixando sem ar. É difícil escrever sem dar exemplos, só fazendo alegorias amplas, mas é tanta coisa que acho que eu nem saberia exemplificar de qualquer maneira.

Só sei que doeu. Já estava doendo antes, é claro, mas quando você vê a ferida a dor parece que dói mais ao mesmo tempo que faz sentido e rola um alívio. É estranho.

Eu tô tão perdida. Eu não sei quem eu sou, eu não sei do que eu gosto e desgosto, eu não sei o que eu quero e não sei mesmo se eu deveria sequer querer alguma coisa.

Vai ver que a vida é não querer nada, e que foi aí que eu errei.

Vai ver que eu estou sempre procurando perguntas que não existem para respostas inventadas.

Vai ver que eu só quero alguma figura de autoridade me dizendo como organizar os livros, já que agora estão todos no chão e eu não sei o que fazer com eles.

É cansativo e eu tô exausta. Mas precisa ser feito. E temos no mínimo mais sete anos pela frente.