Olha lá todos os professores que queriam que "todos os alunos fossem igual a Martinha": ela tem TDAH.

Faz 15 dias que eu tomo a medicação para o TDAH. É uma nova, não é estimulante como as conhecidas, que fazem efeito na hora. O remédio (não quero falar o nome para não gerar busca, porque não sou médica, é só uma experiência pessoal) age no cortex pré-frontal, inibindo a impulsividade. Uma lobotomia em comprimido? Não sei.

Eu tenho 36 anos e nunca levantaram a suspeita de TDAH pra mim. Sempre fui uma menina quieta, tímida, obediente. Minha mãe garante que eu era atenta, e eu lembro de ficar horas sentada passando lição à limpo a tarde toda. Na verdade, sempre pendi para preguiçosa e nunca gostei muito de exercício físico, longas caminhadas, correr, etc — também fui bastante desistimulada nesse aspecto por questões físicas. Eu não fui uma criança fisicamente agitada.

Eu fui uma criança desengonçada. Meu pai me chamava de “Marta terremoto”, porque eu estava sempre me batendo, caindo ou derrubando alguma coisa. Quebrei de tudo que você possa imaginar, levando bronca porque não dava valor nas coisas. Ficava facilmente entediada, era muito criativa, tinha sempre uma boa ideia, muito inteligente. As emoções pra mim sempre foram grandes, tanto a empolgação de uma ideia nova ou a frustração por algo dar errado — mesmo que eu não demonstrasse sempre. Eu era daquelas crianças que acertava a parte difícil do exercício, mas errava a parte fácil. Eu participei do time de xadrez da escola e esquecia o que tava acontecendo no tabuleiro bem na minha frente (eu tenho um amigo com TDAH que joga xadrez muito melhor que eu, e não sei como ele consegue). Minha cabeça sempre pensou em mil coisas, nunca ficou “quieta”. Sempre fui “bocuda”, falando o que não devia. Eu sempre interrompi as pessoas, num ímpeto de responder antes delas.

(Não vou nem entrar na seara do hiperfoco, senão vai longe aqui. Mas não tem filme da Disney dos anos 90 que eu não saiba todas as falas, ou música que eu não saiba de cor).

Enfim, é normal? É né. Eu era menina, nos anos 90, sempre fui bem na escola. Dizem que pessoas com neurodivergência do sexo masculino mostram sintomas na infância, enquanto mulheres mostram sintomas na adolescência. Eu não tinha celular nem streaming, o que certamente me ajudou. Eu também fui forjada na base da responsabilidade, do “tem que fazer”.

Eu sei que não sou como as outras pessoas, mas não somos todos diferentes?

Veja, eu tive o diagnóstico do meu psiquiatra. Eu fiz também uma avaliação neuropsicológica. Negativo pra autismo, positivo pra TDAH. Logo eu, a quietinha.

Minha analista claramente discorda do diagnóstico. E eu acho mesmo que pode ser uma mistura de fatores como ser mãe, ter tido covid, trabalhar 8h/dia, trauma de infância, mais de 10 anos de tratamento de depressão (e ansiedade), estar sempre sobrecarregada e não saber dizer não. Além de algo diferente no meu cérebro.

E claro que minha vida melhorou/melhora muito quanto mais nãos eu falo, quanto mais eu descanso, quanto mais eu divido tarefas. Claro que é mais fácil de lembrar das coisas quando tem MENOS COISAS né.

Isso posto — e eu juro por deus que não quero ofender ninguém que tenha TDAH, principalmente meus amigos com casos mais óbvios — o remédio me trouxe umas mudanças.

Primeiro ele me trouxe sono e enjoo. Mas agora o que eu sinto é uma enorme paz. Eu tô sempre tranquila e relaxada, melhor que qualquer ansiolítico que eu já tomei. Eu consigo separar as coisas, o trabalho fica o trabalho. Às vezes, em vez de me ajudar, a música de fundo me atrapalha pra me concentrar porque eu consigo ouvir ela melhor.

Eu consigo brincar com meu filho sem precisar ficar olhando no celular o tempo todo. O mesmo com um seriado na TV, eu consigo assistir sem pensar em outra coisa. Ainda não experimentei ler (porque estou no hiperfoco do Stardew Valley), mas tenho curiosidade. Se eu estou pensando muita coisa, eu CONSIGO parar. Prestar atenção em outros sons e na minha respiração. Eu estou dormindo muito melhor.

Algumas coisas também não ficam mais martelando na minha cabeça, então eu esqueço porque realmente não preciso lembrar delas o tempo todo. Eu consigo fazer trabalhos repetitivos mais rápido, porque não preciso ficar mudando de aba pra aguentar mais. É como daqueles adaptadores de torneira sabe? Antes o fluxo de pensamento ia para todo lugar; agora é mais controlado. E eu controlo.

Em paralelo, estou passando por um período de muitas outras adaptações: voltei a trabalhar 8h/dia depois de anos trabalhando 6h/dia; estou em uma empresa internacional, falando inglês; estou em uma nova empresa com vários times para eu conhecer. Mas isso é papo pra outra hora.

Só quero concluir que eu talvez ainda esteja na época da negação do diagnóstico, mas muita coisa fez sentido e talvez toda aquela ansiedade fosse super estimulação, e toda a depressão era desespero por não dar conta de tanta informação, achando que todo mundo conseguia.

Seguimos.