As redes sociais adoecem criadores de conteúdo com as obrigações do tal do algoritmo.
Ontem apareceu na minha for you page do Tiktok uma influencer que eu sigo faz um tempo mas andava sumida. Ela explicou que “sumiu” (ficou três meses sem postar) apenas porque não tinha nada a dizer. Que a cobrança por conteúdo constante faz com que a qualidade de tal conteúdo, naturalmente, caia. Não é todo dia que você tem uma ideia genial que vai viralizar.
No caso dela, ela diz que viralizou meio que organicamente, sem muito esforço, então se sentiu na obrigação de agarrar aquele pote de ouro com as duas mãos, porque tanta gente se esforça tanto para chegar lá que ela tinha de aproveitar aquela onda.
E depois de uns meses, os influencers que tanto se dedicaram somem com depressão, burnout, ansiedade. Vou dar nomes: o Ramon Vitor é um exemplo. Um querido. Começou fazendo vídeos do dia a dia como garçom de um quiosque de praia, conquistou seguidores a ponto de conseguir sair do emprego e se manter de redes sociais e… entrou em uma grave depressão. Ainda levou golpe do irmão e tudo. Babado.
A influenciadora do começo explica que todos os “gurus de social media” ensinam que constância é a chave. Ela diz que ela sentia que isso começou no youtube, onde os canais tinham dias para postar quadros específicos. Mas foi antes, bem antes.
Em 2008 eu estudei SEO pro Google e já era marcada a importância da constância: conteúdo atualizado aparecia antes. Para blogs escritos isso também é muito importante. Mas é de bem antes: a publicidade funciona por repetição. A gente cria carinho e afeto por marcas e pessoas quando as vê com frequência. A gente aprende na base da repetição. Eu nunca fiz um anuncio no Estadão, mas ainda sei que o número para anunciar lá é três-dois-dois-quatro-quatro-mil, de tanto que ouvi quando criança. (o três veio depois, mas não quero denunciar a idade de que sou do tempo que telefones tinham 7 números).
Aí a gente tem dois tipos de pessoas né. Algumas pessoas como eu, a gente pode se dar ao luxo de postar por brincadeira, por hobby. Eu não preciso monetizar isso aqui, nem meu tiktok ou instagram: eu sou CLT (💅 exibida, metida). No fim do mês, vou receber a mesma coisa independente da quantidade de reels ou stories que eu postar. Então eu posso vir falar minhas bobagem quando tenho vontade.
E eu tenho vontade porque acho que minha geração não foi muito ouvida quando era criança. Nossos pais estavam ocupados cuidando da vida e eu, pelo menos, não me sinto como se tivesse tido a atenção que eu precisava (provavelmente eu tive a que dava para eles me oferecerem). E agora sou uma narcisista exibida que precisa gosta de postar umas bobagem aqui, outras ali. Inimiga da timidez.
Eu quero meus cinco minutos de fama e quero que o que eu penso sobre o mundo chegue no mundo para eu me sentir vista como uma pessoa completa, uma pessoa com as próprias opiniões. E acho que muitos influencers, no fundo, têm essa insegurança de só se sentirem completos ao serem vistos e ouvidos pelo outro. E tudo bem.
Pena que caem na armadilha do “seja você mesmo desde que seja desse jeito aqui, senão não vende”. São muitas regras ditas e não ditas para prosperar nas mídias sociais. E as pessoas fazem carreira disso, ou usam as redes sociais como propaganda do próprio trabalho (não estou criticando, tem de usar mesmo), e acabam reféns dessas regras que pasteurizam, unificam o conteúdo, porque a gente gosta de ver sempre a mesma coisa.
Não é eugenista isso? Não é estranho que a “woke culture” tenha um nome só por mostrar que o mundo não é apenas homem, branco, cis, hétero, sem deficiência ou sem neuro divergência, uma vez que isso na verdade é mais raro que a heterogeneidade da sociedade? Vira um efeito smurfette: “coloca a cota ali porque se for todo mundo igual perde a graça”. Um temperinho, só pra não assustar.
Aí a gente sai feito uns doido procurando quem é gordo, LGBTQIA+, neuro spicy, pra se sentir representado, visto. Mas mesmo essas pessoas seguem uma cartilha de regras. De constância, identidade visual, roteiro pra escrita (com começo, meio, fim, palavras indexadas, SEO)…
Como a gente vai prosperar vendo sempre as mesmas coisas, das mesmas pessoas, se o diferente incomoda e não é nem sequer mostrado? Se a gente se sente na obrigação de não falar nada para falar alguma coisa e não perder o cantinho do holofote? E, principalmente: precisa?
Vou concordar com a influencer: que em 2024 a gente seja mais quietinho. E fale só quando tiver algo a dizer.